sábado, 7 de julho de 2012

As Reclamações

Quantas vezes já me peguei reclamando da vida, querendo colocar a culpa das insatisfações e dos fracassos que eu vivia nas costas de outros, sem ter a honestidade de me olhar. Enquanto isso a vida ia acontecendo e eu deixando de viver tanta coisa boa. Uma vez, na adolescência, diante de tantas reclamações que eu fazia, meu pai calmamente me disse: “meu filho, você reclama demais.” Na hora nem percebi o valor da lição que ele estava me dando, o que só reconheci alguns anos depois, quando comecei a examinar melhor minhas atitudes, palavras e pensamentos, e ver a minha responsabilidade pela forma de vida que eu vivia e os sofrimentos decorrentes. Muitos reclamam, com justiça, por fome, desemprego, carência de educação, lazer e saúde, e tantas outras mazelas comuns aos lugares onde há injustiça social. Estes precisam reclamar sim, lutar por seus direitos. Mas tem gente que reclama de barriga cheia. São aqueles seres insaciáveis, egoístas e escravos do consumo, que não valorizam nem reconhecem o que têm, querem sempre mais. Há também os que vivem a reclamar dos outros, que estão sempre errados e eles certos. Outros ainda não enxergam o carinho e o apoio que recebem de seus amigos e familiares e vivem de lamúrias sugando energeticamente os mais próximos.
Hoje, quando me pego reclamando, procuro parar, olhar para mim e me perguntar: há justiça e honestidade em minhas reclamações?

Gilvan Almeida 

sábado, 30 de junho de 2012

Pais, escolas e religiões e o roubo de infância

Em alguns momentos socorro-me de Manoel de Barros para compreender e suportar tantas barbaridades que são feitas com muitas crianças neste país. Pais deseducando e deformando-as. Escolas emburrecendo. Religiões alienando. O Estado abandonando e prostituindo-as. Todos roubando infância, destruindo precocemente a magia e o encanto de ser criança, detonando o pensamento mágico que elas têm, onde tudo é possível, até mesmo ver em um desenho animado um elefante esconder-se atrás de uma palmeira bem fina ou dentro do porta guarda-chuvas. É natural para elas, que ainda não penetraram no opressor mundo da lógica. Para mim roubo de infância é crime, é fonte de muitas doenças físicas e mentais, gerando muitos infelizes, pois não viveram a plenitude do mundo infantil e foram forçadas a uma aterrisagem precoce nas duras realidades da vida.

A descrição mais simples e poética que já vi sobre o pensamento mágico, presente nas crianças até certa idade:

"A criança está disponível para a poesia. Ao ponto de poema. A criança ainda não sabe o comportamento das coisas. E pode inventar. Pode botar aflição nas pedras e assim por diante. As crianças não sabem que pedra não tem aflição ou se os peixes dão flor".

Manoel de Barros

Gilvan Almeida

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A infância do mago

Faço parte de uma geração em que alguns voltados para a literatura se encantaram com o escritor alemão Herman Hesse (1877-1962), prêmio Nobel de Literatura de 1946, especialmente através da leitura de suas obras mais conhecidas: Demian, Sidarta e O lobo da estepe.
Fiquei feliz quando descobri  esta quase auto-biografia de sua infância, recentemente publicada no Brasil, “A infância do mago”. Nesta pequena, em quantidade de páginas, e, ao mesmo tempo grandiosa obra, Hesse faz uma das mais belas descrições que já li sobre o fim da infância. O autor descreve os desencantos de sua “aterrissagem” na vida real do planeta, de como o pensamento mágico, a genuína inocência, a pureza de coração, a imaginação sem limites e a plena criatividade, comuns à infância, foram irremediavelmente estilhaçados pela indiferença, insensibilidade e grosseria dos adultos que o rodeavam.
Ao concluir a leitura vi que semelhante processo – desencanto e desilusão, e conseqüente amadurecimento, se a pessoa souber conduzir para este objetivo - não acontece só nesse período de transição da vida, da infância para a adolescência. Ele é experimentado também em todo momento que o ser humano está em um processo de avaliação mais intensa de sua própria existência, compreendendo melhor o que é ilusão e o que é realidade, tanto em si quanto no mundo, ou seja, vivenciando assim a des-ilusão. Se des-iludindo, a pessoa cai na real, na realidade do que é mesmo, sem fantasias. É o que acontece quando há o desencanto com uma pessoa, um trabalho, uma religião, ou qualquer outra forte ligação que se tenha. Até consigo mesmo.
A  seguir um pouco do que Hesse descreve e que mais me tocou. Observem as metáforas que ele usa para dizer do triste fim.

Gilvan Almeida

(Na escola) (...) aprendi que a confiança e a franqueza podem causar problemas, aprendi com professores indiferentes os rudimentos da mentira e da dissimulação; (...) aos poucos murchava minha floração, aos poucos aprendi, sem notar, aquela falsa canção da vida, aprendi a me curvar diante da “realidade”, das leis dos adultos, aprendi a me acomodar ao mundo “como ele é”.”(...)

“(...) Mas então (meu sonho) começou a perder sua onipotência, encontrou inimigos, dava com obstáculos por toda parte – o real, o sério, o inegável. Pouco a pouco a flor murchou, pouco a pouco o mundo ilimitado ganhou formas limitadas – o mundo real, o mundo adulto. (...)

“(...) A floresta primordial da minha vida ia se transformando, o paraíso petrificava-se à minha volta. (...) Sem que notasse, a prisão se fechou. Sem que eu notasse, a magia se dissipou à minha volta. (...) Por todo lado, o mundo se desencantava; o que antes era vasto agora se estreitava, o que antes era precioso agora se empobrecia.”

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Sexta poética: O que sentia nem ela sabia

Mais uma Sexta Poética, em que compartilho este belo poema que encontrei no blog do Ewerton, na Blogosfera. Em seguida ao texto, o comentário que fiz.

Gilvan Almeida
O que sentia nem ela sabia

Ela gritava contra os ventos.
Ela escrevia em folhas
invisíveis.
Ela corria por terras
estranhas.
Não havia uma base que a
sustentava.
Embora forte, se entregava as
lágrimas a cada dor, afinal, agora já não era hora de ser forte.
Era hora de mostrar que precisava de ajuda, que precisava de
palavras sinceras, de um abraço, de uma imagem que só via quando aparecia o sol.
Não sentia frio nem calor. Não tremia nem suspirava.
O que sentia nem ela sabia.
Eles chamavam de
amor, mas como o amor podia fazer com que ela sofresse tanto?
Ela não queria esse amor por isso preferia não definir o que sentia.
Preferia
viver, embora sofrendo, mas com a esperança que um dia a dor cedesse e desse lugar aos seus sonhos mais profundos.
Quando isso acontecesse, estaria pronta para se orgulhar do que vivia, para compartilhar com os outros a sua
vida e para escrever suas emoções em páginas reais, sem mentiras.

Escrito por Ewerton da Silva Carvalho.



Ewerton: Gostei muito do texto O que sentia nem ela sabia. Você me pegou, como acredito que pegue a todos que o lerem de coração aberto, como o li. Especial revelação apareceu com o trecho: "...agora já não era hora de ser forte..." Quantas dores vivemos em determinados momentos da vida, mais do que deveríamos, por teimosia, fingindo fortaleza, quando o mais sensato seria reconhecer a fragilidade e se entregar à realidade da dor, para assim poder descobrir seus mecanismos geradores e poder desativá-los e se libertar. Dar-se, novamente, o direito de ser feliz.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Medicina e(é) Arte

Sansão e Dalila (1609-1610). Peter Rubens. Óleo sobre madeira (185 cm x 205 cm). National Gallery (Londres).

Detalhes pictóricos:
1.Rubens pintou atrás de Dalila uma estátua da Vênus (deusa do amor) e do seu filho, Cupido, representando a causa do destino trágico de Sansão.
2.O filisteu que corta o cabelo de Sansão tem as mãos cruzadas, simbolizando a mentira e o engano.
3.A velha em pé atrás de Dalila, fornecendo mais luz para a cena, não aparece na narrativa bíblica. Acredita-se que seja uma alcoviteira, mas o perfil adjacente ao de Dalila parece simbolizar o passado da velha e/ou o futuro de Dalila.
Fonte: http://medicineisart.blogspot.com/

Estudando as relações da arte com a medicina, encontrei em um site este quadro e a história de Sansão e Dalila, relacionando a situação que ficou Sansão, após ter seus cabelos cortados, a uma doença. Chamou-me a atenção a beleza do quadro e os detalhes pictóricos da interpretação.
Encontrei este site através de informações do escritor e professor de História da Medicina, na Universidade Católica de Brasília (UCB), Armando J. C. Bezerra, um dos maiores estudiosos do país na ligação da medicina com a arte, tendo já publicados os livros Admirável mundo médico: a arte na história da Medicina; Medicando com arte e As belas artes da medicina. Ele estuda as doenças expressadas nas obras de arte, principalmente na pintura e na literatura. Quando professor do meu filho, ele fez um seminário, dando a cada aluno um autor ou pintor, para que fosse feito um estudo das doenças presentes na obra. Ao Leonardo coube o escritor brasileiro Monteiro Lobato e seu Jeca Tatu. Estudamos juntos e aprendi muitas coisas.
Logo que pude ir a Brasília li os três livros, emprestados da biblioteca da UCB. Ampliou o meu interesse pelo tema.
No site e nos livros do Professor Armando Bezerra, há estudo de quadros e a observação de doenças nos personagens pintados e até nos próprios pintores. Interessantes as explicações patológicas da razão de Van Gogh gostar tanto da cor amarela.
Encaminhei por e-mail a foto do quadro Sansão e Dalila e os detalhes pictóricos para alguns amigos e amigas, e alguns disseram suas impressões, que coloco a seguir.


Gilvan Almeida

1.De uma professora de História da Arte, no Acre:
“O quadro é maravilhoso. O abandono ou entrega de Sansão à mulher infiel, a anatomia perfeita, e também o forte contraste de luz e sombra, típico do barroco para causar mais impacto, dramaticidade e força expressiva. A expressão de Dalila, sem a menor sombra de arrependimento e denunciando, ao mesmo tempo, uma espécie de piedade fria é de arrepiar. Algumas mulheres são de fato serpentes, por isso que homens como Aristóteles, Newton e tantos outros cientistas modernos sempre desconfiaram delas. A misoginia não existe por acaso, nada existe por acaso; se existe um nome para algo é porque faz algum sentido...
Achei interessantíssimo esse blog sobre medicina e arte.
Mas ainda penso que a perda de forças de Sansão tenha sido temporária porque se deveu ao abalo emocional, à ferida na alma e por isso que ele se recuperou, porque foi capaz da entrega absoluta, daí foi possível restaurar a sua inteireza total e voltar mais forte, aniquilando, inclusive, milhares de filisteus...
O mais interessante de tudo é o fato de que os artistas sempre foram os maiores e melhores intérpretes da história, seus fatos e personagens do que mesmo os próprios historiadores....”
F.

2.Impressionante!!! Prendeu meu olhar por mais de 30 minutos. Fiquei tão impressionada com o nível de arte, que sonhei. Seus estudos são presentes inestimáveis.
D.

3.Sim ... uma verdadeira análise de si com o mundo, como historiadora e mulher. Fico impressionada com este poder que a arte tem de nos fazer mergulhar, algumas vezes sem licença, em territórios ainda não abertos ou não explorados. Muito especial o relato desta historiadora.
Meus sentimos ainda estão flutuando por obra da arte ... entrou aonde não pensei que pudesse. A escolha e a relação que estabeleço com os homens ... pensa em uma reflexo que estou buscando digerir.
D.

4.Impressionante o quadro, sou fascinada por essas pinturas antigas, com suas sombras e luzes; algumas são de um realismo incrível, sou capaz de passar horas admirando uma. Quando li esta história fiquei chocada com a falsidade da Dalila, da mesma forma que me chocou ver como Herodíades fez a filha Salomé pedir ao pai a cabeça de João Batista em uma bandeja de prata.
T

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Sobre a sanidade mental de Fernando Pessoa: breve e despretencioso estudo.

Esse post foi escrito mais pelo (passional) admirador do poeta português Fernando Pessoa, do que pelo médico. Sendo assim, não houve nenhuma intenção de dar cunho científico, acadêmico, a ele.
Tenho interesse em conhecer mais sobre as ligações observadas entre os transtornos mentais e as artes. Também faço a pergunta que muitos fazem: Por que alguns seres humanos, mesmo sendo portadores de sérios problemas mentais, eram e são reconhecidamente geniais  naquilo que faziam, contrariando, muitas vezes, a visão lógica e científica? Cito como exemplo o pintor holandês Van Gogh, que, mesmo portador de grave transtorno mental, conseguiu ser um dos maiores pintores do mundo ocidental.   
Além de ler e admirar, cada vez mais, a poesia de Fernando Pessoa, também estudo a sanidade mental do poeta, tanto nos relatos de sua vida, quanto na obra literária. Sei que é ousadia de minha parte, já que esse tema é fruto de diversos estudiosos no mundo inteiro.
No Congresso Brasileiro de Psiquiatria de 2010 foi apresentado o artigo Estudo Patográfico de Fernando Pessoa, elaborado pelos psiquiatras Suzana Azoubel de Albuquerque  e Othon Bastos, de Pernambuco. A seguir o resumo:

“Fernando Pessoa, incontestavelmente um dos maiores gênios da literatura universal, é objeto deste estudo patográfico. Através da análise de sua biografia e obra, os autores buscam delinear seus perfis psicológico e psicopatológico e caracterizar uma associação entre sua evidente bipolaridade e seu padrão criativo. Os dados do estudo revelam claramente um componente bipolar e sugerem haver influência de seu humor de base sobre a atividade literária, quanto ao conteúdo, número de poemas e estilo literário. Verifica-se a presença de múltiplas comorbidades: Dependência de Álcool, Transtornos de Ansiedade Generalizada, de Ansiedade Social, além de Fobias Específicas. Do ponto de vista caracterológico, constata-se um Transtorno de Personalidade Esquizóide, com evidentes transtornos da psicossexualidade.”


 Há quem afirme que Fernando Pessoa, por causa de seus heterônimos (“Nome imaginário sob o qual um escritor cria obras de estilo, tendência e características diversas das suas, como se fossem de fato de outro autor”, segundo o dicionário Aulete), era portador de Transtorno dissociativo, outrora denominado Transtorno de personalidades múltiplas. Fui ao CID-10, livro de códigos internacionais e descrições dos transtornos psiquiátricos, ler com mais atenção a respeito deste transtorno. Vejam um pouco do que encontrei:

Transtornos dissociativos [de conversão] - F44
“Os transtornos dissociativos ou de conversão se caracterizam por uma perda parcial ou completa das funções normais de integração das lembranças, da consciência, da identidade e das sensações imediatas, e do controle dos movimentos corporais. Os diferentes tipos de transtornos dissociativos tendem a desaparecer após algumas semanas ou meses, em particular quando sua ocorrência se associou a um acontecimento traumático. (...)”

Minhas observações: Com base no CID-10 e na vivência na área da Saúde Mental, não considero Fernando Pessoa como um portador de Transtorno Dissociativo. Os heterônimos não eram personalidades que ele assumia patologicamente na vida, no dia a dia, mudando de comportamento de acordo com a personalidade da hora, e sim recursos artísticos (considerados geniais) que ele utilizou, lucidamente, para dizer a verdade humana que o coração dele era portador, e tornar-se assim o maior poeta da língua portuguesa. Só um Fernando Pessoa seria "pouco", para dizer tudo o que ele tinha a dizer.
Em outra frente do estudo continuo a leitura do livro Fernando Pessoa, uma quase  auto-biografia, do escritor brasileiro José Paulo Cavalcanti Filho, Editora Record, e encontrei  um capítulo onde alguns familiares e amigos que conviveram com o poeta por toda a curta vida dele, dizem como o viam, quais seus comportamentos rotineiros e constantes. E este é um ponto importante para uma efetiva avaliação e um diagnóstico psiquiátricos: como a pessoa é vista pelos que a rodeiam. Neste capítulo também há palavras dele sobre si mesmo, que revelam clareza, real contato com a intimidade de seus pensamentos e sentimentos, reconhecendo em si as fragilidades, e, ao mesmo tempo expressando “clarividência” (que o autor do livro chama visão “pretenciosa”, mas que o futuro confirmou o que o poeta diz) a respeito da importância de seus escritos.
O capítulo:

Um homem discreto – Página 88
(em marrom palavras de Fernando Pessoa, em negro do escritor e em vermelho o que dizem dele amigos e familiares).

“Não faço visitas, nem ando em sociedade nenhuma – nem de salas, nem de cafés”; que fazê-lo seria “entregar-me a conversas inúteis, furtar tempo se não aos meus raciocínios e aos meus projetos, pelo menos aos meus sonhos, que sempre serão mais belos que a conversa alheia”. A explicação que dá para tal aversão às práticas sociais é simples (e pretenciosa): “Devo-me à humanidade futura. Quanto me desperdiçar, desperdiço do divino patrimônio possível dos homens de amanhã; diminuo-lhes a felicidade que lhes possa dar.” Na dimensão do pensamento, apenas, que “nunca tive uma idéia nobre de minha presença física. Pareço um jesuíta fruste (gasto). Sou um surdo mudo berrando, em voz alta, os meus gestos”. Esses gestos são comedidos, de “extrema cortesia”, mesmo delicados. “Sou tímido, e tenho repugnância em dar a conhecer minhas angústias”; razão por que (quase) nunca distribui cartões de visita (...). “Calmo e alegre diante dos outros” é, “em geral, uma criatura com que os outros simpatizam”. Ri pouco e ouve mais do que fala – “Não se deve falar demasiado”. No fundo, “ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver”; porque, “a não ser que ouças, não poderás ver”. Seu interesse é mais dialogar que debater. E não gosta de se exibir. De magoar os outros menos ainda. O heterônimo Barão de Teive, com vida que quase reproduz a do próprio Pessoa, diz: “Pus-me sempre à parte do mundo e da vida ... nunca alguém me tratou mal, em nenhum modo ou sentido. Todos me trataram bem, mas com afastamento. Compreendi logo que o afastamento estava em mim, a partir de mim. Por isso posso dizer, sem ilusões, que fui sempre respeitado. Amado , ou querido, nunca fui.”
Os depoimentos dos que com ele conviveram são, entre si, parecidos. Segundo a irmã Teca, “...era muito reservado e muitas vezes parecia alheio ao que o rodeava. Contudo sempre foi extremamente dedicado, fácil de contentar, não me lembro de o ver irritado. Nunca levantava a voz, era educadíssimo. Para todos tinha sempre uma palavra amável, era o que se chamava um gentleman, isso era.” Ophelia Queiroz (única mulher alvo de seu amor, nunca vivido em toda a sua plenitude) a segue: “O Fernando era extremamente reservado. Falava muito pouco de sua vida íntima”. Carlos Queiroz, sobrinho de Ophélia, diz que “seus gestos nervosos, mas plásticos e cheios de correção, acompanham sempre o ritmo do monólogo, como a quererem rimar com todas as palavras. Nunca ouvi ninguém queixar-se de ter sido atingido por ele.” Para o escritor francês Pierre Horcade, “irradiava um encanto indefinível feito de extrema cortesia, de bom humor e ainda uma espécie de intensidade febril que borbulhavam sob a aparente fachada da boa convivência.” Antônio Cobeira declara ser “uma criatura afável, irrepreensível no trato, de primorosa educação, incapaz de uma deslealdade, imaculadamente honesto, dedicadíssimo, triste e tímido.” Jorge de Sena confirma ser “um senhor suavemente simpático, muito bem-vestido, que escondia no beiço de cima o riso discretamente casquinado (irônico). A calvície, os olhos gastos, o jeito de sentar-se com as mãos nos joelhos e uma voz velada davam-lhe um ar estrangeiro, distante no tempo e no espaço”. Casais Monteiro sugere que “ninguém quis ser menos aparente”, resumindo sua vida em um “discreto pudor, de amor ao silêncio e à contemplação”. O amigo Almada Negreiros lembra ser uma “pessoa calada”, a mais silenciosa do grupo. “Ele era um auditivo, e eu um visual”. Em conversa com Antônio quadros, acrescenta: “mas olha que nenhum de nós tinha dúvidas, ele era o mestre!” Fernando DaCosta completa: “como pessoa o Pessoa não tinha graça nenhuma, um macambúzio que só visto. Conversávamos bastante, quer dizer, eu é que falava, ele estava quase sempre calado. Ninguém sabia, aliás quem era o Fernando Pessoa. A glória só veio 20 e tal anos depois de sua morte”.
Todo artista revela-se em sua obra, aliás, todo ser humano mostra aquilo que é, naquilo que faz. Não há como se esconder. Até o momento, em tudo o que já li escrito por ele e seus principais heterônimos (quatro livros e diversos sites e textos divulgados na internet) encontrei lucidez, sensibilidade e inteligência refinada e superior à maioria.
Concluindo:  talvez pela minha pouca vivência em psiquiatria – somente 6 dos 30 anos de médico, até hoje – não consigo ver, se é que há, o psicótico em Fernando Pessoa. Percebo sim, que ele viveu em um crônico e profundo sofrimento psíquico, para o qual não encontrou (nem procurou efetivamente) tratamento adequado, mas ainda não constatei uma alienação mental, ou, como diz o dicionário Houaiss a respeito da palavra psicose: “transtorno mental caracterizado por desintegração da personalidade, conflito com a realidade, alucinações, ilusões etc.”

O estudo continua.......

Gilvan Almeida

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Rumi, o maior dos místicos islâmicos

Compartilho com vocês um pouco do estudo que fiz a respeito do pensamento e da vida do sábio Rumi. Acrescento alguns pensamentos dele e um texto de Leonardo Boff: Rumi, o místico do amor.

Gilvan Almeida
 
RUMI

Mawlānā Jalāl-ad-Dīn Muhammad Rūmī, também conhecido como Mawlānā Jalāl-ad-Dīn Muhammad Balkhī, ou ainda apenas Rumi ou Mevlana, (30 de Setembro de 120717 de setembro de 1273), foi um poeta, jurista e teólogo muçulmano persa do século XIII. Seu nome significa literalmente "Majestade da Religião"; Jalal significa "majestade" e Din significa "religião".Rumi é, também, um nome descritivo cujo significado é "o romano", pois ele viveu grande parte da sua vida na Anatólia, que era parte do Império Bizantino dois séculos antes. Ele nasceu na então província persa de Balkh, na aldeia de Wakhsh, atualmente na província de Khatlon do Tadjiquistão. A região estava, nessa époc a, sob a esfera de influência da região de Khorasan e era parte do Império Khwarezmio. Ele viveu a maior parte de sua vida sob o Sultanato de Rum, no que é hoje a Turquia, onde produziu a maior parte de seus trabalhos e morreu em 1273. Foi enterrado em Konya e seu túmulo tornou-se um lugar de peregrinação. Após sua morte, seus seguidores e seu filho Sultan Walad fundaram a Ordem Sufi Mawlawīyah, também conhecida como ordem dos dervishes girantes, famosos por sua dança sufi conhecida como cerimônia sema. Os trabalhos de Rumi foram escritos em novo persa. Uma renascença literária persa (séc. VIII/IX) começou nas regiões de Sistan, e por volta do século X/XI, ela substituiu o árabe e como língua literária e cultural no mundo islâmico persa. Embora os trabalhos de Rumi houvessem sido escritos em persa, a importância de Rumi transcendeu fronteiras étnicas e nacionais. Seus trabalhos originais são extensamente lidos em sua língua original em toda a região de fala persa. Traduções de seus trabalhos são bastante populares no sul da Ásia, em turco, árabe e nos países ocidentais. Sua poesia também tem influenciado a literatura persa bem como a literatura em urdu, bengali, árabe e turco. Seus poemas foram extensivamente traduzidos em várias das línguas do mundo e transpostos em vários formatos; A BBC o descreveu como o "poeta mais popular na América".  
Fonte: Wikipédia.
Alguns pensamentos de Rumi:

1. Por que você permanece na prisão quando a porta está completamente aberta ?

2. O anjo salva-se pelo conhecimento, o animal pela ignorância; entre os dois o homem permanece em litígio.


3. "Vem.
Conversemos através da alma.
Revelemos o que é secreto aos olhos e ouvidos.
Sem exibir os dentes,
sorri comigo, como um botão de rosa.
Entendamo-nos pelos pensamentos,
sem língua, sem lábios.
Sem abrir a boca,
contemo-nos todos os segredos do mundo,
como faria o intelecto divino.
Fujamos dos incrédulos
que só são capazes de entender
se escutam palavras e vêem rostos.
Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.
Como podes dizer à tua mão: "toca",
se todas as mãos são uma?
Vem, conversemos assim.
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma.
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma.
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se te interessas, posso mostrar-te."



Rumi, o místico do amor
Leonardo Boff
 
Neste ano (2007) se celebram 800 anos de nascimento de Jalal ud-Din Rumi (1207-1273), o maior dos místicos islâmicos e extraordinário poeta do amor. Nasceu no Afeganistão, passou pelo Irã e viveu e morreu em Konia na Turquia. Era um erudito professor de teologia, zeloso nos exercícios espirituais. Tudo mudou quando se encontrou com a figura misteriosa e fascinante do monge errante Shams de Tabriz. Como se diz na tradição sufi, foi "um encontro entre dois oceanos". Esse mestre misterioso iniciou Rumi na experiência mística do amor. Seu reconhecimento foi tão grande que lhe dedicou todo um livro com 3.230 versos o Divan de Shams de Tabriz. Divan signfica coleção de poemas.
A efusão do amor em Rumi é tão avassaladora que abraça tudo, o universo, a natureza, as pessoas e principalmente Deus. No fundo trata-se do único movimento do amor que não conhece divisões, mas que enlaça todas as coisas numa unidade última e radical tão bem expressa no poema Eu sou Tu : "Tu, que conheces Jalal ud-Din (nome de Rumi). Tu, o Um em tudo, diz quem sou. Diz: eu sou Tu". Ou o outro:" De mim não resta senão um nome, tudo o resto é Ele".
Essa experiência de união amorosa foi tão inspiradora que fez Rumi produzir uma obra de 40.000 versos. Famosos são o Masnavi (poemas de cunho reflexivo-teológico), Rubai-yat (Canção de amor por Deus) e o já citado Divan de Tabriz.
Próprio da experiência místico-amorosa é a embriaguez do amor que faz do místico um "louco de Deus" como eram São Francisco de Assis, Santa Tereza d’Ávila, Santa Xênia da Rússia e também Rumi. Num poema do Rubai’yat diz: "hoje eu não estou ébrio, sou os milhares de ébrios da terra. Eu estou louco e amo todos os loucos, hoje".
Como expressão desta loucura divina inventou a sama a dança extática. Trata-se de dançar girando em torno de si e ao redor de um eixo que representa o sol. Cada dervixe girante, assim se chamam os dançantes, se sente como um planeta girando ao redor do sol que é Deus.
Dificilmente na história da mística universal encontramos poemas de amor com tal imediatez, sensibilidade e paixão que aqueles escritos pelo islâmico Rumi. É como uma fuga de mil motivos que vão e vêm sem cessar. Num poema de Rubai-yat canta: "Tu, único sol, vem! Sem Ti as flores murcham, vem!. Sem Ti o mundo não é senão pó e cinza. Este banquete e esta alegria, sem Ti, são totalmente vazios, vem!".
Um dos mais belos poemas, por sua densidade amorosa, me parece ser este, tirado do Rubai’yat: "O teu amor veio até meu coração e partiu feliz. Depois retornou, vestiu a veste do amor, mas mais uma vez foi embora. Timidamente lhe supliquei que ficasse comigo ao menos por alguns dias. Ele se sentou junto a mim e se esqueceu de partir".
A mística desafia a razão analítica. Ela a ultrapassa porque expressa a dimensão do espírito, aquele momento em que o ser humano se descobre a si mesmo como parte de um Todo, como projeto infinito e mistério abissal inexprimível. Bem notava o filósofo e matemático Ludwig Wittgenstein na proposição VI de seu Tractatus logico-philosophicus: "O inexprimível se mostra, é o místico". E termina na proposição VII com esta frase lapidar: "Sobre o que não podemos falar, devemos calar". É o que fazem os místicos. Guardam o nobre silêncio ou então cantam como fez Rumi, mas de um modo tal que a palavra nos conduz ao silêncio reverente.